sexta-feira, 3 de julho de 2009

Carta aberta sobre a Dança Oriental em Portugal

Hoje em dia com os vídeos do youtube, com a necessidade que as pessoas sentem em ser fábricas de dinheiro começa a assistir-se no nosso meio, e não só, um declinar das competências dos professores e bailarinos de Dança Oriental Egípcia.



Há uns dias umas alunas contaram-me que foram a uma aula, a título experimental, e ficaram abismadas com o que viram.

Não falarei de darem as aulas de sapatilhas ou calças de ganga (até porque cada pessoa é livre de se vestir como quiser!).

Não falarei de casos de “professoras” que não puderam dar aula porque os cds estavam estragados (até porque essas coisas acontecem!).

Não falarei das actuações com fatos da loja dos chineses (nada contra, mas considero que se estamos empenhadas naquilo que fazemos, tomamos certas coisas como investimentos, sobretudo quando somos nós modelos aos olhos das nossas alunas).

E muito menos me atrevo a falar daquelas que decidiram ser professoras porque algum amigo lhes disse que tinham jeito para dançar e que deviam começar a leccionar!

Não, não falo disso!


Mas não deixo passar esta aula a que as minhas alunas foram e as pérolas que por lá se passaram. Segundo as minhas meninas a “professora” em questão não ensinava movimentos pois dizia que foi no espírito do free style, ou vá, do aprenda-você-mesmo, que aprendeu a dançar. Ora, eu obviamente não sou contra o facto de sermos autodidactas, e de até a dança ser algo inato para muitas pessoas. No entanto, tenho as minhas reticências quando isso se aplica a professores.


Sendo a minha formação académica também virada para o ensino, e respeitando a nobreza desta profissão considero importante que antes de qualquer outra coisa exista o respeito pelas pessoas que nos pagam. Eu, por exemplo, não ficaria nada feliz se soubesse que andei a pagar para ter formação com uma pessoa que nem formação teve ( e não basta ter tido 1 ou dois workshops, isso não é formação, é um complemento).


E não é só isso, indo além desse respeito, acho que deve haver a consciência de que estamos a trabalhar com corpos. Algo que é físico e que se não for cuidado pode ser prejudicado (não basta chegar e fazer os movimentos! Sim porque sei de casos em que quais aquecimentos/alongamentos iniciais/finais? Que é isso?!) Acho que é uma tamanha irresponsabilidade achar-se que por se ter visto um vídeo didáctico, ou vá, ter-se “o jeito”, que isso signifique que se possa ser professor.


Ser professor é antes de mais ter-se sido e ser-se sempre aluno. Entendermos as dificuldades das alunas, sabermos que é normal sentirem-se de determinada maneira, fazerem os movimentos de certa forma, podermos prever os seus receios, os bloqueadores e pensamentos que acompanham a execução dos movimentos, anteciparmos as suas dúvidas, partilharmos conquistas, desconstruirmos os movimentos em tantas partes quanto as necessárias para que percebam exactamente o que estão a fazer, fomentar um ambiente paciente, de aceitação do corpo, de reconhecimento de limites e também potencialidades...


Respeitar o ritmo de cada pessoa, arranjando estratégias que permitam que as alunas se desenvolvam e sintam prazer naquilo que estão a fazer. . .


Não basta ir, colocar uma música qualquer e dar aula. É preciso estudar essa aula antes, planificá-la (quantas fazem uma planificação diária/mensal/geral com momentos separados, objectivos, desafios, trabalhos de casa para as alunas? Quantas fazem coreografias para determinada turma em específico? Respeitando a singularidade de cada aluna?) saber exactamente que movimentos transmitir, que movimentos rever, saber as dificuldades e sucessos de cada aluna e adequar isso a essa mesma aula. Pensar as músicas a ser escutadas.


Importa que haja uma estrutura. Coesão naquilo que se faz, ainda que dando sempre espaço ao imprevisto e à espontaneidade.


Adoro ser professora. Sim, é verdade, adoro ser professora de Dança Oriental Egípcia. Amo mesmo poder transmitir aquilo que aprendi em tantas formações (que nunca são suficientes pois o caminho é longo!), pesquisas e trabalho interior. É algo indubitavelmente fantástico.

E sou uma sortuda por poder fazer aquilo que amo e dedico-me a isso. E é essa dedicação e trabalho que gostaria de ver em profissionais da área.

Já não é fácil lidar com as ideias infundadas de que a Dança Egípcia é toda ela sexo para ainda existirem “professoras” que em plenas aulas experimentais fazem shimmies que mais parecem o txam, em que shimmie de ombros é na verdade “mandar mamas” (usando a terminologia da “professora” em questão) e que a nossa preocupação deve consistir em “provocar a tesão no nosso marido e/ou amante” (usando mais uma vez as palavras de outras boas “profissionais”...) e o pior, existirem pessoas que mesmo assim se inscrevem porque lá está, se existe a ideia de que esta Dança é íntima do sexo, e se de facto uma professora dá uma aula em que realmente vai de encontro a esse pensamento...é natural que as pessoas, na sua ignorância, o aceitem como verdadeiro.

Depois não admira que os espectáculos em que as bailarinas vão praticamente despidas e se esfregam no chão sejam tão aplaudidos (mas isso já está relacionado com aquilo que os bares estão dispostos a pagar por um espectáculo. Se preferem o mais barato, é natural que o barato seja acompanhado do vulgar) . Assim torna-se difícil levar esta dança a sério e isso torna o trabalho de qualidade mais difícil de ser divulgado.

Não estou aqui a denegrir a imagem de ninguém, até porque nestas coisas já se sabe como é, se o barrete servir... Apenas acho que é um desrespeito por quem tenta levar esta arte por um bom rumo.

Não vou dizer que sou perfeita, que o meu trabalho é que é digno e o melhor, nada disso...! Até porque também sei que há profissionais bem melhores do que eu e respeito imenso o trabalho que têm desenvolvido nesta área, na dignificação e purificação da Dança Oriental. Mas também sei que há CADA VEZ MAIS pessoas a dar aulas, a dizerem-se profissionais com 4 meses de aulas, com 1 workshop, com praticamente NADA.

Apenas espero que quem procura aulas de Dança Oriental (mais conhecida por Dança do Ventre) que tente informar-se das qualificações da professora, falem com ela, tentem perceber o que sabe, como se explica, como transmite o que sabe, se sabe os nomes dos movimentos ou se se limita a dizer "este é o txam txam txam" (como já ouvi...), se percebe os variados ritmos, estilos de música para determinado estilo de dança, que vejam a professora a dançar, que se lembrem que existe muito a ilusão óptica (vemos aquilo que querem que vejamos)... Procurem sempre o melhor para vocês!


8 comentários:

  1. Olá, olá!!...
    Fui aluna da professora Chandra em Aveiro e posso dizer que adorei a experiência e talvez por ter sido tão boa, ainda não me aventurei em inscrever-me em novas aulas em Lisboa.
    Recordo-me de um comentário, que não terá sido dito exactamente por estas palavras, mas o que conta é a mensagem: a prática da professora, avalia-se pela performance dos braços com o resto do corpo. Como eu compreendo esta frase.. porque ou nos esquecemos dos braços, ou quebra-se o ritmo das pernas.. e de repente, as alunas estão todas dessincronizadas e o movimento todo baralhado! Não era bonito de se ver, mas era muito engraçado! :)
    É aí que entra a professora: com paciência, demonstração, humor, apoio individual, dividir o todo nas partes para facilitar a aprendizagem. Tudo isso estava bem presente nas aulas que frequentei.
    Também a mensagem de que esta prática ia para além do erótico, sexy e sexual, estava bem patente... a beleza da dança não estava nas fatiotas quase invisiveis que algumas pessoas usam, nem nos corpinhos de modelo, mas sim nos movimentos bem executados! Abençoadas curvas que favoreciam os movimentos! ;)
    Posso falar por mim... que saía de lá a suar (e chegava sempre atrasada!)... lembrava-me o ioga... parece que não estamos a fazer exercício nenhum mas afinal, sente-se no corpo!
    Tenho saudades dessas aulas, da turma em que estava inserida.. e lamento que haja pessoas que não tenham a mesma experiência enriquecedora que eu tive! Espero que as professoras delas evoluam.. e as mentalidades mudem!

    Um grande bem-haja à minha, Chandra!

    M. Mota

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  2. concordo plenamente Chandra... infelizmente existe uma ideia errada de algo que é digno e belo, mas no entanto confundem com "a dança do varão"...
    acabam por vulgarizar e ridicularizar a arte...
    se calhar nem sabem que é uma dança de mulheres para mulheres...
    é triste, mas ainda bem que existem pessoas como tu que conseguem transmitir a beleza, a sabedoria e manter o respeito e dignidade pela dança...
    estou mt contente por não ter ido para a concorrência.. :)
    bjinhooooooosss e até logo! :)

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  3. A Srª Pufessora de vez em quando até sabe escrever umas coisas engraçadas..... :D
    Brincadeirinha!!!!
    Agora a sério....
    Concordo com tudo o que tem sido aqui escrito!
    Muitas vezes vejo coisas...enfim....preferia ficar na ignorância!
    Por vezes ao falar com pessoas amigas em relação ao tema vêm logo com a ideia do "é lá!!! O teu homem é que deve adorar!!!" Depois ficam muito admirados quando digo que a dança é uma óptima preparação para o parto!!! Ficam boquiabertos! nem fazem ideia! E não só....é uma óptima maneira de nós, mulheres, compreendamos melhor o nosso corpo! Conhecêmo-lo e respeitamo-lo mais, comseguimos fazer coisas que nunca poderiamos imaginar tal proeza e sentimo-nos melhor!!
    É pena que mentes tacanhas e de baixo QI percebam a verdadeira beleza, magia e complexidade desta dança!
    Só tenho a dizer que ADORO A SRª PUFESSORA E AS SUAS AULAS!!!

    Bjs a todas

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  4. Ah.....esqueci-me!!!!
    Acho que seria um artigo excelente para ser publicado numa revista!!!!
    Concordam?!

    Bjs

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  5. E li finalmente o texto, demorou mas cá estou!

    Ando nisto há muito pouco tempo e confesso que percebo pouco do que se passa lá fora, mas já vi que tive muita sorte com a professora! Obrigada pela insistência em dar aulas como deve ser, nós queremos aprender com uma profissional, claro :)

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  6. Olá Chandra!

    De facto a vivência da bailarina de dança oriental não é fácil. São anos a trabalhar e a tentar fazer o melhor possível e a saber que há sempre muito mais a aprender e a atingir.

    O que posso dizer é que temos de continuar a trabalhar para tentarmos passar a mensagem desta dança da melhor forma possível. Porque quem vê vai se aperceber que, além de trabalho, há paixão no que se faz...e isto...o público sente. Só assim, aos poucos, vamos dignificar esta dança!

    Fico feliz com o trabalho que tem feito até ao momento! Precisamos de cada vez mais pessoas a sentirem a dança assim e a assumir que não sabemos tudo...mas que estamos cá para aprender...e como aprendo com as minhas alunas também!!

    Beijinhos dançantes,
    Cris

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  7. Olá Chandra :)

    Fiquei mt feliz por encontrar este texto, de facto faz falta haver + pessoas a passar a mensagem e pensar desta forma.
    Sim porque esta maravilhosa arte milenar tem de ser divulgada com o maior respeito e dignidade.
    Se bem que ninguem nasce ensinado e em tudo existem excepções, mas não vamos esquecer que esta responsabilidade é de todas nós. Sejamos meramente alunas, professoras ou bailarinas.
    A verdade é que nesta dança o aprendizado não termina e é dever de cada uma de nós transmitir o verdadeiro significado da dança do ventre. Não aceitar sorrisinhos maliciosos e "bocas" de pessoas que na realidade falam por falar não sabem o que dizem. Ou simplesmente pessoas que se aproveitam para ganhar uns € extra a troco de ensinar o que nunca aprenderam... mas enfim a n/luta é esta dignificar a dança do ventre.

    Mais uma vez obrigada por partilhares connosco..
    Beijinhos e tenham danças iluminadas ;)
    Lígia Zahira

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  8. Desde já SHUKRAN a todas que me apoiam nesta "luta". Quem leu a carta e concorda com a mesma sabe o quão é difícil engolir sapos e continuar a tentar sorrir quando vamos a um bar oriental (ou a algum bar que se lembrou de ter uma festa das 1001 noites) à espera de ver um espectáculo...e mal vemos sair as pseudo bailarinas ficamos "huh? brincadeirinha, não? Vá, agora mandem vir aquelas a Sério!!". A verdade é que são poucos os que querem as "a sério". São caras. Dizem.
    Mas este é outro assunto que em breve explorarei! Engraçado é vermos essas "pseudo" e depois tentarmos saber de onde vieram e descobrirmos que são professoras...
    Minhas caras, perdoem a linguagem, mas até me espumo!
    Uma vez estava num bar com 3 amigos, sendo que duas eram também minhas alunas. No final uma delas quis pegar no meu cartão e entregá-lo à "pseudo" dizendo "um dia quando quiseres aprender a dançar a sério, procura esta pessoa". Claro que não deixei. Não seria ético, nem correcto. Porque o principal "problema" das "pseudos" bailarinas e professoras passa pelo simples facto de que acreditam veemente de que são óptimas e de que sabem perfeitamente o que estão a fazer (porque estão a copiar exactamente - acham - o vídeo que viram). No fundo não têm culpa. São egos. É falta de humildade. É um caminho interior que falta percorrer. É uma saída fácil para ganhar dinheiro e enganar quem as procura.
    Como viram estou a criar cursos de Dança que terão vários níveis - desenganem-se aquelas que acham que por fazerem o nível I estão aptas para leccionar ou para actuar em público - e mencionei o valor do Cursom, a pessoa em questão perguntou-me duas vezes "mas...a sério?", e eu lá percebi, sim é barato.
    Não pretendo enriquecer mas tentar chegar ao maior número de alunas que possa ter para que esta arte seja difundida.
    Importa sim divulgar. Conhecer a Arte tal como ela devia ser.
    Continuarei nesta jornada, com pequenas grandes conquistas todos os dias e espero que sejamos muitas a fazê-lo. A ser o melhor que pudermos ser, para nós e para as que nos seguem! Beijinhos a todas as que comentam e comentaram esta carta.
    Com carinho,
    Chandra.

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